Entrevista com Ian McCulloch – Partes 1 e 2
Fonte: http://www.rockfeedback.com/feature/1224/echo-the-bunnymens-ian-mcculloch-interview-october-2009-part-1/
Por: Bronya Francis
Tradução: Verena Kewitz
Revisão: Katy Mary
OBS: Foram mantidos os sinais de interferência do editor da entrevista [ ]. Procurou-se traduzir e manter o tom informal de Ian McCulloch, como pausas, hesitações e digressões.
Imagine isso: você é uma garota de 18 anos, num táxi a caminho de entrevistar um dos mais reconhecidos rockstars britânicos, especificamente Ian McCulloch do Echo & The Bunnymen. Você sai do táxi assim que chega num grande Kensington Hotel, auxiliada por um porteiro, pronto para amparar sua queda se você for desastrada o suficiente para se desequilibrar. Sei que sou uma dessas pessoas, mas felizmente meu corpo se equilibra, ao contrário de seu estado palerma. Você entra numa das salas de jantar, repleta de homens de meia idade parecendo importantes, vestidos inteligentemente de terno feito à mão, e de mulheres elegantes insinuantemente trajando tons escuros de azul, marrom-chocolate, cinza-azulado e cores afins, dos pés à cabeça. O teto é ornamentado com vários motivos imitação da era vitoriana, e você vê uma estátua branca grega colocada compreensivelmente em cantos escuros. Numa pequena parte desse restaurante está sentado o Relações Públicas de Ian McCulloch e alguns jornalistas conhecidos bebericando chá, acompanhado de todo tipo de biscoitos esnobes. Você se dirige ao RP, se sentindo bem inadequada, sem ter frequentado nem mesmo um ano de faculdade, comparada ao restante das pessoas ali, a maioria das quais muito provavelmente com bons salários, freqüentadores da Liberty e morando em lindos condomínios que têm W1 no código postal.
Através de toda essa ansiosa opulência, você escuta risadas virem de uma grande poltrona, acompanhadas de um sotaque rústico de Liverpool. E é então que você consegue ver Mac, como é conhecido, vestindo jeans escuros rasgados (seus joelhos pálidos, pretuberantemente magros visivelmente brotando pelos buracos compridos e esfarrapados das calças), um moleton preto com capuz (com o zíper fechado até a clavícula), os óculos escuros obrigatórios (semi-opacos, provocando quem quer que fale com ele ao revelar apenas o contorno embaçado de seus olhos), tudo isso coberto por um penteado fino espetado (tingido de um preto impiedoso).
Ele foi a aparência de qualquer rock star típico, ainda que o calor daquele cara você verá no pub toda quarta-feira, você sabe, aquele pub que tem Sky Sports e uma TV tela grande. Digo isso porque ele ama futebol (torcedor do Liverpool), então perguntei a ele como foi o jogo em casa ontem à noite e recebi uma resposta lamentando o quão chato foi: "Sabe quando seu time joga contra um lixo, e os pés deles ficam preguiçosos, porque sabem que vão ganhar?". Não, na verdade, não sei, porque em matéria de futebol sou uma negação. Finalmente, domino a conversa ao que nós, pelo menos eu, viemos, antes que ele comece a falar sobre a jogada de impedimento que, sinceramente, me colocaria em apuros.
RFB: Echo and The Bunnymen estão na estrada por mais de trinta anos já...
IM: É verdade, pois nosso primeiro show foi em 1978... uau! E eu só tenho 26 anos!
RFB: O que mudou?
IM: Não muita coisa, pra ser sincero. Acho que as letras mudam, as melodias são diferentes, é um processo contínuo... o estilo de composição, é meu diário, é minha arte auto-expressiva. Ainda estou rascunhando, e de vez em quando você consegue uma página que é uma grande obra de arte...
RFB: Então é você totalmente expresso na música?
IM: É. Através da música eu tento manter meu orgulho e auto-estima, minha ambição e meu romantismo, minha auto-desconfiança, culpa, tudo numa coisa só.
RFB: Você fica cansado depois de 30 anos fazendo turnê?
IM: Agora fico sim. Eu dizia que adorava sair em turnê, mas não era bem isso. Adorava tocar ao vivo... Eu disse sim para os empresários que não quero ficar viajando por aí, não gosto de ficar em ônibus de turnê, andando por aí com outros doze caras, dividindo o banheiro, viajando à noite... Não consigo dormir até o ônibus parar, porque fico claustrofóbico; por isso, eu dormia na recepção e esperava que todos fossem para a cama, já que sou geralmente o último a pegar no sono... Não me importo de viajar, pois é parte do negócio. Prefiro [que os shows sejam] mais espaçados, sabe, vamos fazer quatro shows no Reino Unido no mês que vem, daí vamos para os EUA para quatro shows... então voltamos e fazemos mais shows em dezembro... Às vezes não fico ansioso pelos shows e só faço palavra-cruzada nos bastidores! Gosto quando já estou na cidade um dia antes... Sempre fui assim, mas acho que, quando você tem 21 anos, você adquire uma outra energia além da sua, seja o que for que estiver comprando, energia num pacote... [mas tocar ao vivo], parece sempre a primeira vez e ainda me empolga agora que vamos para São Francisco tocar Ocean Rain no mês que vem, e isso meio que me causou ansiedade de novo pela coisa ao vivo. Certa noite pensei, é isso aí, quero fazer Ocean Rain.
RFB: Você tem tempo livre para conhecer os países em que toca?
IM: Não sou bem o tipo que fica passeando. Nova York, [por exemplo], não importa que prédio é, se é o Empire State ou apenas algum que diga 'Johnny´s bar' na fachada, não importa. [Nova York] tem um clima que é totalmente único; é maravilhoso, toda aquela fumaça e todos aqueles sons, é como uma grande fábrica, mas tem sons de que você gosta e que duram a noite toda. E o mesmo em Liverpool... Se fosse 100% atraente, não seria Liverpool.
RFB: Qual é o seu lugar preferido para tocar?
IM: Nova York é um deles. Fico nervoso em Liverpool, não importa o quão seguro eu possa parecer, pois sei que sou parte deles, sabe? Adoro tocar em Londres também. Quando tocamos no [Royal Albert Hall] no ano passado foi tão emocionante! O Albert Hall foi sempre um prazer, porque fomos a banda que fez a grande descoberta que permitiu outras bandas tocassem lá, quando fizemos duas noites em 1983... cadeiras quebraram... depois que tocamos lá, eles deixaram outras bandas entrarem.
RFB: A reação do público difere de cidade para cidade?
IM: Liverpool é diferente, porque conheço muita gente que está ali, e quero que Liverpool saiba que este é seu filho, algo assim... quem quer que venha nos ver, 80% [do público] terá nos visto antes, e eles têm nos assistido ao longo dos anos, então não é como tocar para um público diferente a cada vez, eles têm nos acompanhado desde o começo... Tocamos nossas músicas, e eles adoram. [Se] você é reconhecido e tem músicas clássicas, são coisas que determinam o público que estará lá. Em festivais, [atraímos] nosso próprio público, e é estranho; levou muito tempo para chegarmos nesse estágio, porque eu não aceitei fazer isso por muito tempo.
RFB: Vocês adquirem muitos novos e jovens fãs ao tocar em festivais?
IM: É, foi isso que aconteceu. Acho que foi quando tocamos no V Festival, ano passado, e fomos em frente, e eu olhava para a plateia e pensava 'essas pessoas parecem muito jovens!´ E eles todos cantavam as músicas, não conseguia entender, adorei... Era como a primeira vez que eles nos assistiam, mas estavam todos cantando as músicas que eu me esforçava para lembrar. E foi assim por todo o show – geralmente acontece com ´The Killing Moon´ ou ´Nothing Lasts Forever´, mas não em músicas como ´Rescue´, sabe, os fãs sempre cantam o refrão e tal, mas isso é estranho. E pensei: ´alguma coisa aconteceu´. Sabe o que eu acho? Acho que chegamos no ponto agora em que as pessoas gostam de nós em todo os lugares e sabem que fazemos grandes músicas. O que sempre quisemos ser foi algo como The Velvet Underground. Tinha que ver com ser a maior coisa do mundo, ser uma dentre as bandas de sua coleção.
RFB: Seria difícil não deixar essa percepção influenciar você...
IM: Acho que estou mais sociável com as pessoas nas conversas. Estou mais... Não sei se tenho mais humildade, mas tento deixar claro que só quero me divertir e ser legal. Isso não deveria afetar o que você pensa a respeito das músicas; continuam sendo músicas sérias, mas se quero fazer uma piada fora disso, é o que eu faço, sabe? Me sinto mais relaxado em mim mesmo, e ainda sou muito insolente, mas... por não precisar ser admirado ou amado ou comprado ou tocado, parece ter ajudado.
RFB: O fato de estar mais confortável com você mesmo reflete na sua composição?
IM: Com o novo álbum acho que reencontramos meu sarcasmo insolente e enigmático, que veio de repente. Mas você não pode sentar e dizer ´quero escrever uma música como fiz em Crocodiles´. Me peguei dando umas cutucadas sugestivas e camaradas nos dias em que me senti como um cara sarcástico/insolente/atrevido... ´The Idolness of Gods´, no fim do disco, é sobre tudo. Uma vez disse que ´The Killing Moon´, bem, eu sempre digo, que é a melhor música que já fizemos, e agora eu sei por que, é porque não é apenas uma música – é sobre tudo, é como um quebra-cabeça – ´The Killing Moon´ pode ser construída de qualquer forma, porque é sobre tudo de algum ângulo. Eu sabia quando a escrevi que era sobre tudo, e eu me esqueci, e só recentemente que lembrei. Sempre adorei cantá-la, e pensando nessa música... ´The Killing Moon´: o título em si é o melhor título de música de todos os tempos. E ´The Idolness of Gods', quando comecei a escrevê-la, foram fragmentos de pensamentos e ritmos...
RFB: Tem um verso em 'Proxy', do novo álbum, que diz “Everybody look at us now” ("Todos agora olhem para nós"). Qual é a mensagem que você está tentando passar nessa música?
IM: Bem, quer dizer que estou falando com jornalistas ou qualquer um que seja um possível Anti-Bunnymen . Minha frase favorita é "I love it when you say you’re better than me,/ Like you know you’re as clever as me" ("Adora quando você diz que é melhor do que eu / Como vccê sabe que é tão esperto quanto eu"). Muita gente lida com pessoas espertas ao chamá-las de outra coisa, em vez de apenas dizer "você é mais esperto que eu", tentando chegar a elas com crítica de qualquer maneira, especialmente com alguém como eu. Sei que existem certos jornalistas por aí que, se eu escrevesse o equivalente musical da Mosa Lisa, eles cairiam matando em cima, criticariam fortemente, porque, por qualquer razão, enfiam na cabeça que não gostam de mim.
RFB: O jornalismo musical mudou muito ao longo da sua carreira?
IM: Os jornalistas escreviam artigos, coisas apropriadas, em que se podia descobrir algo de que você não sabia, não apenas coisas super críticas de um parágrafo inteiro... Talvez eu devesse fazer uma revista, tentar achar alguns grandes autores...
RFB: É isso que Jon McClure está fazendo, talvez você devesse entrar em contato com ele...
IM: Não! Ele pode entrar em contato comigo!
RFB: Tenho certeza de que ele adoraria... então, como foi trabalhar com Johnny Marr?
IM: É, foi bom. Escrevemos algumas coisas muito boas, sim. Mas decidimos tipo arquivá-las... mas ele é ótimo. O que adorei, além das músicas, foi que tivemos muitos momentos divertidos também, chorávamos de tanto rir... contando piadas, morríamos de rir até chorar. Posso vê-lo agora enxugando as lágrimas, e eu fazendo o mesmo – era hilário.
RFB: Facilita se você tem um bom relacionamento com as pessoas com quem trabalha?
IM: Às vezes pode ser uma relação estranha. Eu e Will somos tão próximos, às vezes nem nós mesmos notamos isso. Há um elo verdadeiro entre mim e Will, e damos muita risada. Mas foi diferente comigo e Johnny ( Nota : ex- guitarrista do The Smiths)** – foi apenas como um projeto, mesmo, para nós dois – e acho que ele me ajudou a ganhar confiança, porque ele dizia "Meu Deus, sua voz! Esse é você, ali nas letras"... Trabalhando com Johnny, pude ver que ele faz coisas, inversões, porque ele sabe tocar guitarra. Will ainda não sabe tocar bem guitarra, ele apenas toca, ele é intuitivo e, para mim, o guitarrista mais lírico desde Mick Ronson – linhas de guitarra extremamente lindas – e ele consegue acertar como ninguém consegue... Observando Johnny, ele juntava coisas que soavam diferente... soavam como uma inversão que você não consegue entender, e isso é engenhoso demais pra mim... é como dizer "Eu sou bom, quero fazer uma seqüência de acordes que ninguém consegue", a menos que se tenha sete mãos... [Johnny] era um pouco solitário/recluso, eu pensava, em termos do que ele queria fazer, pois ele estava fazendo música eletrônica, e eu acho que ele percebeu que aquilo era apenas um projeto temporário.
RFB: Você prefere criar com um parceiro?
IM: Curto as duas coisas, mas adoro escrever sozinho também. Compus [The Idolness of Gods] apenas no violão, nada muito elaborado, mas tinha de criar acordes que nunca tinha feito antes, porque tinha a melodia previamente na cabeça – é como escrevo as músicas agora, geralmente penso numa melodia.. é mais crua, eu acho, mais como um garoto faria... é divertido: pra mim, o processo de composição se torna mais ingênuo de certa forma, à medida que envelheço.
RFB: Há muito mais o que fazer depois de trinta anos no showbizz?
IM: Apenas fazer músicas. É como dizer a um pedreiro: "Você planeja construir mais merdas de casas?" Cada casa é diferente, e cada música é diferente. É a expressão de mim mesmo, posso até parar de falar, sabe? Cinco pessoas na minha vida me disseram que elas não se mataram, após terem ouvido "Nothing Lasts Forever". Escrever uma outra desse tipo e salvar mais cinco vidas, essa é a minha ambição... coisa grande.
Depois de mais de 30 anos com os Bunnymen e onze álbuns, Mac não mostra nenhum indício de se aposentar. O que ele diz faz muito sentido. Ele é uma daquelas pessoas cujas observações parecem tão óbvias, ainda que ninguém mais veja o que ele faz até que ouçam suas músicas. Certamente, Ian me fez pensar em como conduzo minhas entrevistas. Ele tem tanto conhecimento sobre a indústria da música, que é um prazer ouvi-lo refletir sobre jornalismo, turnê, gravação, qualquer coisa – até mesmo política. E se ele está evitando que as pessoas cometam suicídio através de suas músicas, Ian McCulloch, junto com os Bunnymen, deve estar fazendo algo muito especial mesmo.
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Nota Complementar por Mr Lips.
Mac fala na entrevista que as fitas das gravações com Johnny Maar estão arquivadas. Mas dessas sessões sairam em single a música "Top of The World" tema da seleção ingelsa para a copa de 1998 e algumas faixas do disco Burned do Electrafixion são frutos dessa parceria. Existe ainda a "lenda" de que as fitas masters foram perdidas/roubadas.
domingo, 22 de novembro de 2009
Entrevista com Ian McCulloch
Postado por Mrlips às 20:33
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