domingo, 15 de junho de 2008

IAN MCCULLOCH Confissões do Homem Coelho

O nome Echo & The Bunnymen é facilmente reconhecível. O mesmo já não se pode dizer do de Ian McCulloch, o homem que foi, e continua a ser, o carismático líder dos coelhos de Liverpool. McCulloch está de regresso com “Slideling”, o seu terceiro álbum a solo.

Em 1988, dez anos depois da formação dos Echo & The Bunnymen, Ian MacCulloch decide desfazer a banda. A razão? O seu descontentamento com o rumo que as coisas no seio da banda, devido a problemas diversos, estavam a tomar. Os restantes elementos dos Bunnymen decidem continuar com a banda, à revelia de Ian. Este abraça uma carreira a solo, da qual resultam os álbuns “Candleland” e “Mysterio”. Mais tarde, feitas as pazes com Will Sergeant (o guitarrista e a outra metade criativa dos Bunnymen), embarcam os dois numa nova aventura de nome Electrafixion. Não muito tempo depois, Ian e Will reformaram os Echo & The Bunnymen.
No ano em que se comemora o 25º aniversário dos Echo & The Bunnymen, Ian McCulloch edita “Slideling”, o seu prometido terceiro álbum a solo, que conta com a participação de Chris Martin, dos Coldplay, como convidado. “Slideling” é um disco recheado de excelentes canções, que falam de experiências pessoais em forma de páginas de um diário. “Slideling” é, segundo o próprio McCulloch, o seu melhor disco deste século. Afinal os dois anteriores foram “editados o século passado”. Bom humor e falta de modéstia são duas componentes chave de qualquer conversa com Ian McCulloch.



Começou com uma carreira a solo, depois de, devido às coisas estarem a correr mal com a banda, ter desfeito os Echo & The Bunnymen. Assim sendo, como justifica o novo disco a solo, numa altura em que tudo corre bem com os Bunnymen?
Esta é uma das questões que me é colocada várias vezes. A resposta é simples: escrevo muitas canções e existo para além dos Echo &The Bunnymen. Provavelmente também porque os Echo ainda existem e porque eu tive algum tempo para fazer este disco. É como comer uma comida diferente durante algum tempo. Como acho que não sou apenas uma das metades dos Bunnymen, foi algo que realmente quis fazer. Os temas deste disco foram escritos em casa e são mais pessoais. As letras são mais sobre mim do que sobre o facto de pertencer a um grupo. Gostava bastante dessas canções e quis ver o resultado prático da minha visão sobre cada tema. Quis que soasse às pessoas da mesma maneira que soava na minha cabeça. Este disco acabou por demorar um pouco mais a ser gravado porque eu tenho estado bastante ocupado com os Bunnymen, na promoção e nas digressões do “Flowers”. Só começamos a gravar em Outubro de 2002. Para além disso, eu tinha um contrato com a Jeepster, mas como eles estão com problemas tive que procurar outra editora. Foi pena, porque, na altura em que comecei a procurar uma editora, havia mais pessoas interessadas no meu disco a solo. No dia em que me encontrei com a pessoa que dirige a Jeepster, embebedámo-nos ao jantar, e, sem que eu o mencionasse, ele mencionou o “Transformer”, do Lou Reed, e o “Hunky Dory”, do David Bowie, que são as referências principais do meu trabalho a solo. Disse logo ao meu manager: “tens uma caneta? É que eu quero assinar já aqui o contrato”. E foi só por causa disso, pelas referências que ele apontou. Felizmente a Cooking Vinyl gostou dos temas o suficiente para editar o disco.

A divisão de temas entre os Bunnymen e os seus discos a solo assenta exclusivamente no facto de as canções serem pessoais ou genéricas?
Sim. Mas também porque acho que o próximo disco dos Bunnymen vai ser mais pesado que o habitual, mais roqueiro. Algumas destas canções já existem há uns anos e não queria deixa-las na prateleira. As minhas canções são como as crianças, gosto que elas cresçam. Mas temas como “High Wires”, “Stake Your Claim” e mesmo o “Sliding” poderiam fazer parte de um qualquer disco dos Bunnymen.

Nota-se que “Slideling” é um disco um pouco mais alegre do que os anteriores. Isso é consequência das coisas estarem estáveis com os Bunnymen? Ou simplesmente sente-se agora mais à vontade a compor sozinho?
Concordo. O facto é que cheguei a um ponto em que não posso interiorizar todos os medos das pessoas. Para mim existem mais coisas do que um tipo num casaco negro. Durante algum tempo, quis ser mais o Ian McCulloch do que apenas o Mac. Muitas das minhas canções são como páginas de um diário mas com uma melodia. Durante algum tempo quero que sejam as minhas histórias a ter vida para que, depois, me possa libertar para o trabalho com os Bunnymen. Não é uma coisa que se explique. Uma das razões por que me tornei músico foi para poder fazer as minhas próprias regras.

Disse, a certa altura, que este disco seria o “Transformer” do século XXI. Ainda sente isso?
Acho que é diferente. Acho que é o melhor disco que fiz a solo este século. (risos) Isso era também uma pista para os fãs, como que a dizer-lhes que não ia ser um disco à Velvet Underground, mas mais na linha do Lou Reed. Eu adoro, com a mesma intensidade, o “Transformer” e o primeiro álbum dos Velvet Underground. Por isso, era uma pista para os fãs não pensarem que seria mais próximo do meu trabalho nos Bunnymen. De qualquer maneira, o “Transformer” é um dos discos que me acompanha sempre, especialmente em estúdio. É uma excelente fonte de inspiração para fazer discos com canções diferentes.

Como foi o processo de selecção dos músicos que o acompanham neste disco?
O baixista é dos Bunnymen mas antes tocava nos Cast. Os outros músicos são de Liverpool. O pai do baterista pertenceu aos Herman’s Hermits, o que não deixa de ser curioso. Escolhi estas pessoas porque não queria recorrer em demasia aos músicos dos Bunnymen. Quis que houvesse alguma diferença na abordagem das canções e na maneira de tocar. A guitarra foi gravada pelo meu manager, porque assim não tive de lhe pagar. (risos) Ele é um bom guitarrista, mas estava com medo de gravar os temas porque achava que não ia estar à altura. No fim correu tudo bem.

Durante a promoção do último álbum dos Echo, dizia que “Slideling” ia ter como convidados: David Bowie, Leonard Cohen (com quem prometia um dueto em “Baby Hold On”) e os Fun Lovin Criminals. No final apenas os elementos dos Coldplay aparecem no disco...
Admito que atirei alguns nomes sem perguntar às pessoas mas as coisas também mudaram e eu preferi fazer uma coisa mais pessoal. Em relação ao “Baby Hold On”, vou gravar esse tema em dueto, mas com a Jane Birkin, para um single que só vai sair em França. Isto foi uma possibilidade que se está a tornar realidade e pensei que poderia ser uma boa ideia. De certa maneira cumpri a minha promessa, não foi? De qualquer modo eu tenho a melhor voz do mundo... Pelo menos a melhor voz do mundo para cantar as minhas canções. (risos)

Aliás, a participação dos elementos dos Coldplay tem sido um factor de grande atenção para o disco. Como é que surgiu essa amizade?
Há um ano, quando os Coldplay estavam a gravar em Liverpool, o Chris Martin recebeu uma caixa com discos dos Echo & The Bunnymen. Os nossos managers apresentaram-nos e démo-nos logo bem, principalmente quando ele começou a gabar-me o ego, e a dizer que os Echo eram a melhor banda do mundo. Foi simples... Os temas em que eles participaram - “Sliding” e “Arthur” -, eram os únicos que já estavam adiantados quando eles apareceram no estúdio. O Chris Martin pediu-me para lhe mostrar alguns temas e, como eu só tinha aqueles, acabou por cantar e tocar piano enquanto o Johnny [N.R. Jon Buckland, guitarrista dos Coldplay], tocou guitarra. Eu sabia que eles tinham gosto em participar no meu disco e fiquei contente com o facto de terem cumprido a promessa. Eu gosto da voz dele, gosto dos Coldplay e pensei que poderia atrair a atenção de alguns dos fãs dos Coldplay.

Mas, em 2001, quando falava da cena musical britânica, comparou o Chris Martin ao Gary Barlow dos Take That...
Eu disse isso? Bem, nesse caso retiro o que disse. (risos) Acho que o Chris Martin é o segundo melhor cantor do mundo. Talvez porque ele é um bom rapaz... Na altura não estava a falar da voz dele... Hoje em dia não penso que seja um “boy next door”, apenas um lunático. Mas um lunático natural, e não induzido pelo alcool ou algo assim. Um pouco estranho também, o que não deixa de ser bom... É isso que o faz diferente.

Como é que as suas filhas, que são da geração que idolatra os Coldplay, vêem o pai?
Elas ficaram contentes mas elas também não ligam muito esse tipo de coisas. Tem mais a haver com os amigos delas, que ficam impressionados quando descobrem que eu sou o pai delas. Acima de tudo quero que olhem para mim como um pai. Muitas vezes esse é um papel difícil de desempenhar porque estou muito tempo fora, em digressão.

Mudemos de assunto. Sei que tinha a ideia de editar um disco de versões, à imagem de “Pin Ups”, de David Bowie. Será esse o próximo passo na sua carreira a solo?
Bem, o Robbie Williams adiantou-se e estragou toda e qualquer ideia sobre esse assunto. (risos) A minha ideia era gravar algumas versões de Frank Sinatra, Leonard Cohen, Jacques Brel, Stooges, Velvet Underground e David Bowie. Há uma diferença muito grande entre fazer discos de originais - seja a solo ou com os Bunnymen - e gravar discos de versões. Quando estamos em estúdio a gravar as nossas canções sentimos que estamos a fazer algo com grande significado pessoal. Apesar de tocarmos e gravarmos algumas versões, eu vejo isso como uma forma de exibicionismo, do tipo: “olhem para mim, eu consigo cantar Frank Sinatra”. Penso que não preciso de fazer isso. À medida que vou envelhecendo, tenho uma maior necessidade de gravar as minhas canções em vez das dos outros. Talvez quando tiver sessenta anos volte a essa ideia. (risos) Entretanto, nos meus concertos, os encores vão ser preenchidos só com versões de Lou Reed e dos Velvet Underground: “Sweet Jane”, “Pale Blue Eyes”, “Walk On The Wild Side”, “What Goes On”, etc.

Como é que costuma abordar os temas que vai versionar. Tenta ser fiel ao original ou tenta acrescentar algo seu e fazer essas canções soar como se fossem os seus próprios temas?

Começa-se por se tentar ser fiel. Depois, damo-nos conta que a única razão pela qual queremos fazer essa versão é porque o tema é tão bom, e estamos tão apaixonados pela canção que não podemos ser fiéis, pois já estamos a cometer uma infidelidade por estar a mexer com ele. Eu fiz uma versão de “Hey, That’s No Way To Say Goodbye”, do Leonard Cohen [N.R. incluída na compilação de tributo a Cohen “I’m Your Fan”], e estou a ser-lhe infiel porque não consigo fazer com que a minha versão chegue, sequer, aos calcanhares do original.

O ano passado, os Echo & The Bunnymen receberam o prémio da revista Q, na categoria de “Inspiração”. Como é que se sente quando outras bandas que sentem inspiradas pelo seu trabalho e o afirmam em público?
Acima de tudo, eu devo esse prémio mais ao Chris Martin e aos Coldplay do que propriamente à revista Q. Nós recebemos esse prémio em Novembro de 2002 e, a partir daí, os jornalistas da Q começaram a ter vontade de falar comigo. Agora, durante a promoção do meu disco a solo, o editor da Q disse à minha editora que “o Mac não é muito Q neste momento”. É curioso como quatro meses conseguem mudar as coisas. A imprensa britânica nunca “deixou” que fossemos uma influência para quem quer que seja. É por isso que o apoio dos Coldplay é bem-vindo para contrariar essa ideia. Eles até gravaram uma versão do “Lips Like Sugar” para acompanhar a edição do novo single.

Em Novembro os Bunnymen fazem 25 anos. O que estão a planear para a comemoração?
A Warner vai remasterizar os primeiro cinco discos pela primeira vez e vai haver uma grande campanha de promoção. Vamos fazer os festivais de verão e, depois, no Outono, vamos fazer uma digressão pelos Estados Unidos, Brasil e Europa. Também devemos fazer algo especial em Londres e Liverpool, para comemorar o nosso 25º aniversário. No final ano começamos a escrever e a gravar o novo álbum. Queremos que seja um dos nossos melhores discos e que as pessoas se apaixonem pelos novos temas da mesma maneira que se apaixonaram pelo “The Cutter” ou o pelo “The Killing Moon”.

E não pretendem, finalmente, conquistar de vez a América? Porque é que a maioria das bandas inglesas têm o sonho de conquistar a América?
Porque as editoras dizem às bandas que é óptimo aparecer na capa do New Musical Express mas que na América é onde está o dinheiro. Connosco o que aconteceu foi que depois do “Porcupine”, tínhamos um disco para fazer, estávamos cada vez maiores na América e tocávamos lá em locais com capacidade para 5000 pessoas na maioria das cidades. Por isso o passo seguinte seria passar para os estádios ou coisa parecida. A editora estava muito contente, e nós tínhamos, e ainda temos os fãs mais leais divididos entre a Inglaterra e a América. O que a editora não percebeu é que os nossos fãs americanos eram exactamente iguais aos ingleses. Ou seja, gente que odiava todo o estilo americano, ou a sua falta de estilo. O que nós fizemos no auge desse sucesso americano foi voltar para a Europa e fazer o “Ocean Rain” em Paris. Lembro-me que a editora disse: “bolas, perdemo-los de novo. Perdemo-los para a Europa.” Nos anos 80 havia uma onda muito política, assistia-se à queda do punk e existiam todas essas bandas que eram de esquerda e trabalhistas. Mas toda a gente queria ir para a América. Havia uma grande onda quando se ia para a América, mas era uma coisa efémera. Nova Iorque era fantástica porque, de repente, te injectava uma adrenalina súbita. Quando se via a arquitectura, havia um vibração diferente do habitual. Nós éramos um grupo europeu e enquanto toda a gente estava numa de rock de estádio e de chapéus de cowboy, fomos para Paris e arranjámos uma orquestra francesa para tocar connosco. Nós queríamos que o disco soasse belo e épico ao mesmo tempo. Houve uma crítica à reedição do “Ocean Rain”, em Hong Kong, que apontou o óbvio: que, mesmo em 1984, “Ocean Rain” não era parecido com nada que já tivesse sido feito. Éramos apenas nós a fazer rock’n’roll. O “Ocean Rain” ainda está 30 anos à frente do seu tempo.

Enquanto anda a promover o seu disco a solo o que se passa com o Will Sergeant?
Está em casa a preparar o novo álbum dos Glide. É um projecto de música atmosférica mas com algum groove. Para além disso ele não faz mais nada. A não ser cozer o seu próprio pão. (risos)

Hugo Moutinho
(Mondo Bizarre # 15)